“Meu pai nunca dizia o que uma palavra significava, estava
sempre me aconselhando: “Não sabe? Vá ao dicionário”. Com isso, eu passei a
valorizar muito cada palavra.
Eu não suporto um “maravilhoso” que serve para tudo. Eu
geralmente quero ser muito preciso no uso de determinada palavra. É quase uma
compulsão: eu tenho vontade de usar a palavra certa. E o leitor, você sabe, não
perdoa quando descobre que sabe mais que o autor.
Quando um escritor está construindo um universozinho
elaborado, digamos assim, artificial, ele está construindo um
edificiozinho – se dá uma escorregada num tijolo, aquilo pode contaminar
o livro inteiro.
Se você está escrevendo um livro que tem um personagem
médico e coloca o fígado do lado esquerdo, ou erra na hora de descrever a cavidade
abdominal, adeus. Isso pode quebrar toda a mágica do seu romance. O narrador
hábil vai introduzindo o leitor numa série de códigos e não pode trair esses
códigos.
É por isso que loucos como eu, Zé Rubem [Rubem Fonseca],
ficam desesperados se não conseguem encontrar a palavra exata. E o Zé Rubem
procurando o nome daquele patê, não é outro, é aquele; o Jorge Amado
telefonando para mim querendo saber o nome do nó que se dá na corda de um
saveiro. Alguém poderia dizer: “Põe nó e pronto”. Mas o Jorge nunca aceitaria:
“Mas tem um nome, aquele nó, do saveiro...” Não quer dizer que o Jorge seja
especialista nisso, ou o Zé Rubem em patê, ou eu em protozoários. Se fosse
assim...
Há uma cena de homossexualismo n’O sorriso do lagarto, então
teve gente que falou: “Como você sabe?”
E eu: “Ah, treinei com uns amigos!”
O que é que eu ia responder pra esse tipo de pergunta?
Ora, não é porque eu nunca pari que não posso descrever uma
cena de parto.
É tudo uma questão de você encontrar a palavra certa, as
palavras certas.”
Tomando isso como
parâmetro – a esperança, a resistência – o sr. diria ao jovem
candidato a escritor que continue?
João Ubaldo Ribeiro: Em primeiro lugar, desaconselharia
esse jovem candidato a escritor a continuar; sugeriria que desistisse enquanto
é tempo. Mas se isso for mesmo impossível, eu diria: então está bem, persista,
vá em frente, leia muito, todas essas coisas que são lugares-comuns. E
principalmente: seja humilde, mas combine essa humildade com uma certa obstinação.
O resto, não é com você, amigo. É um mistério.
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