sábado, 19 de julho de 2014

JOÃO UBALDO RIBEIRO

“Meu pai nunca dizia o que uma palavra significava, estava sempre me aconselhando: “Não sabe? Vá ao dicionário”. Com isso, eu passei a valorizar muito cada palavra.

Eu não suporto um “maravilhoso” que serve para tudo. Eu geralmente quero ser muito preciso no uso de determinada palavra. É quase uma compulsão: eu tenho vontade de usar a palavra certa. E o leitor, você sabe, não perdoa quando descobre que sabe mais que o autor.

Quando um escritor está construindo um universozinho elaborado, digamos assim, artificial, ele está construindo um edificiozinho – se dá uma escorregada num tijolo, aquilo pode contaminar o livro inteiro.

Se você está escrevendo um livro que tem um personagem médico e coloca o fígado do lado esquerdo, ou erra na hora de descrever a cavidade abdominal, adeus. Isso pode quebrar toda a mágica do seu romance. O narrador hábil vai introduzindo o leitor numa série de códigos e não pode trair esses códigos.

É por isso que loucos como eu, Zé Rubem [Rubem Fonseca], ficam desesperados se não conseguem encontrar a palavra exata. E o Zé Rubem procurando o nome daquele patê, não é outro, é aquele; o Jorge Amado telefonando para mim querendo saber o nome do nó que se dá na corda de um saveiro. Alguém poderia dizer: “Põe nó e pronto”. Mas o Jorge nunca aceitaria: “Mas tem um nome, aquele nó, do saveiro...” Não quer dizer que o Jorge seja especialista nisso, ou o Zé Rubem em patê, ou eu em protozoários. Se fosse assim...

Há uma cena de homossexualismo n’O sorriso do lagarto, então teve gente que falou: “Como você sabe?”
E eu: “Ah, treinei com uns amigos!”
O que é que eu ia responder pra esse tipo de pergunta?
Ora, não é porque eu nunca pari que não posso descrever uma cena de parto.

É tudo uma questão de você encontrar a palavra certa, as palavras certas.”

Tomando isso como parâmetro – a esperança, a resistência – o sr. diria ao jovem candidato a escritor que continue?
João Ubaldo Ribeiro: Em primeiro lugar, desa­conselharia esse jovem candidato a escritor a continuar; sugeriria que desistisse enquanto é tempo. Mas se isso for mesmo impossível, eu diria: então está bem, persista, vá em frente, leia muito, todas essas coisas que são lugares-comuns. E principalmente: seja humilde, mas combine essa humildade com uma certa obsti­nação. O resto, não é com você, amigo. É um mistério.


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